A ideia de Lutero com suas 95 teses
era de provocar uma reforma dentro da igreja católica, o que não aconteceu.
Esse evento contribuiu diretamente para o surgimento de outro segmento da
igreja, a protestante. Mas qual a motivação de Lutero para lutar contra uma
instituição tão poderosa como a Igreja Católica no século XVI?
Ainda no século II d.C. pouco antes
de existir o cristianismo católico, havia muitos cristãos espalhados pelo
império romano, de modo que rebelando-se poderiam tomar o poder. Tornar o
cristianismo como religião oficial para controlar a população do império foi
uma excelente jogada do imperador Constantino. Uma adaptação aqui e outra ali,
e foi criada a maior religião conhecida hoje em todo o mundo.
Originalmente o termo “cristão”
significa “cristinho” ou “pequeno cristo”, alguém que era percebido na
sociedade como uma pessoa que seguia os ensinamentos de Cristo e foi ainda no
século I que esse termo foi popularizado. Sobre Cristo, o messias esperado
chamado Jesus, devemos observar que suas ações não eram apenas de cunho
religioso.
Ele orava, jejuava, conhecia as leis
judaicas e romanas, as cumpria, as vezes as driblava, mas também se importava
com os necessitados, discutia com os doutores da lei e os fariseus, enfrentava
a injustiça, usou até mesmo de violência contra o comércio no templo, e a
consequência de todos os seus atos foi também sua sentença de morte.
João Batista, primo de Jesus, também
se opôs ao governo denunciando irregularidades e isso literalmente custou-lhe a
cabeça. Isso me faz pensar agora que talvez Lutero estivesse mais próximo de
alguns valores do evangelho primitivo em alguns aspectos, que os cristãos da
atualidade julgam estar. Lutero teve sorte e sua pena foi apenas o exílio.
Outros reformadores contemporâneos a ele foram mortos de várias formas cruéis,
inclusive queimados na fogueira.
O evangelho de Jesus não é apenas
sobre valores espirituais, é também de denúncia as injustiças sociais que
geralmente partem das pessoas importantes e influentes na sociedade. Jesus
protestou contra estes. Lutero protestou contra aqueles. E os cristãos atuais
protestam contra quem?
No cenário político atual do nosso
país vemos mais de mil escolas e universidades ocupadas por estudantes,
centenas ou milhares de protestos e manifestações pelas ruas, uns contra um
governo ilegítimo e outros a favor, reformas incabíveis na área da educação, da
saúde e da previdência, escândalos e impunidades, a mídia maquiando os
movimentos sociais, e grande parte dos cristãos preocupados com a vida pós
morte enquanto ainda estão vivos, quase que completamente cegos, alienados.
Muitos sugerem que a igreja de hoje
precisa de uma nova reforma, mas será que algum dia ela foi realmente
protestante no sentido mais político que possamos imaginar? Hoje vemos grandes
eventos evangélicos em estádios, nas ruas, milhões de cristãos reunidos para
que? Protestar contra as injustiças dos governantes? Protestar em favor dos
necessitados? Protestar contra os religiosos corruptos da nossa época?
No entanto não posso generalizar,
pois há exemplos recentes como o de Martin Luther King que foi mais que um
simples religioso, foi diretamente contra a desigualdade social em sua
empreitada contra o racismo. A frase mais lembrada do sr King é “eu tenho um
sonho”, e seu discurso inspirou até mesmo o papa Francisco recentemente em sua
fala para cerca de 600 mil pessoas na J.M.J. (Jornada Mundial da Juventude) na
Cracóvia em julho de 2016.
Frequentar a igreja como quem
frequenta um clube e seguir algumas doutrinas não torna ninguém cristão. Na
essência, um cristão precisa ter um cuidado com as coisas espirituais, mas
jamais esquecer que vive num mundo físico onde suas ações ou sua falta de ação
geram consequências diretas na sociedade.
Um cristão que se considere
reformado ou protestante deve ter a liberdade e a coragem para fechar as portas
da igreja num dia de domingo e ir para as ruas protestar contra governos
corruptos, deve denunciar os falsos líderes religiosos que abusam do poder,
deve atender as causas sociais pelo amor ao próximo e não para se autopromover,
deve ir contra a autoridade instituída quando esta for injusta para com o povo,
pois não haverá o que se comemorar de reforma protestante se não houver
legitimamente o protesto.